quinta-feira, 4 de abril de 2013

Sequelas pós-sequestro (Renata Lima)


Nossa Avaliação - 9.0
Annie O’Sullivan é uma jovem corretora de imóveis com problemas comuns como você e eu. Em um dia como outro qualquer, Annie acorda e está disposta a resolver três itens de sua vida: vender uma casa, fazer as pazes com a mãe e não se atrasar para o jantar com o namorado. É um domingo de manhã e na visitação ao imóvel pouca gente aparece. Annie está disposta a ir embora quando um homem simpático e sorridente estaciona a van na frente da casa parecendo realmente interessado. Como recusar um cliente tão encantador? 

E é nesse ponto que a vida de Annie vira de cabeça para baixo. Sequestrada, Annie passa um ano em poder de um Maníaco - como ela mesma o identifica - em um chalé à prova de fuga nas montanhas, onde vive um verdadeiro pesadelo que mudará para sempre a sua vida e a sua forma de encarar o mundo e as pessoas.

O livro é absolutamente estarrecedor e nele a própria Annie narra todos os detalhes das torturas físicas e mentais as quais foi submetida com uma única condição: a terapeuta - que nunca é identificada, a não ser como "doutora" - não pode fazer perguntas. E se Annie é a narradora, nós nos sentimos um pouco como a psiquiatra, ouvindo e nos compadecendo a cada revelação.

Ela revela que virou uma pessoa amarga, pessimista, cheia de obsessões, privada de sua humanidade. Considerada heroína por ter sobrevivido, Annie afirma, depois de ser abandonada no chalé, sem comida: "Sim, eu achava que era durona. Mas, depois de cinco dias sozinha, a durona amoleceu. Cinco dias desgraçados, e me vi disposta a fazer qualquer coisa que ele quisesse. E hoje sou vista como heroína. Heróis entram em prédios em chamas para salvar crianças. Heróis morrem pela causa. Eu não sou heroína... sou covarde."

Mas voltar para casa, Annie não tem que enfrentar só seus próprios medos, agora tem que lidar com familiares, policiais e a imprensa que nunca a deixa em paz com suas perguntas redundantes: “O que você sentiu lá na montanha? Você teve medo?” Não, sua esperta... Essas pessoas não são melhores do que ele (o Maníaco)... são sádicas e muito bem pagas. Annie sabe que enquanto sua vida estava congelada em um ciclo vicioso de medo e violência, a vida de todo mundo continuou e agora, quando ela fala com as pessoas mais próximas, sente raiva quando as ouve se queixando sobre o trabalho, sobre o marido, falando sobre viagens que fizeram, filmes que viram, programas na TV. "Odeio o outro por não estar sofrendo como eu, por conseguir se sentir feliz. E odeio a mim, por ter esse sentimento."

E como geralmente acontece em sequestros longos, Annie revela sintomas da Síndrome de Estocolmo,  onde o sequestrado começa a sentir simpatia pelo sequestrador: "Como posso dizer às pessoas que, quando o Maníaco me falava de lugares ao redor do mundo, como o rochedo de Gibraltar, com todos aqueles macacos, eu o achava interessante e articulado? E que às vezes, quando ele massageava meus pés... que incharam tanto... eu gostava. Ou que na hora da leitura ele se entusiasmava e ficava engraçado, ou que quando cozinhava... sempre que fritava ovo ele dava  uns passinhos de dança e falava com sotaques variados... eu via o cara sorridente que veio ao meu encontro no plantão de vendas. Como eu poderia dizer a alguém que ele me fazia rir?

Em um relato comovente, Annie começa a buscar motivos, por que ela? Quem era aquele homem? E com a ajuda do policial Gary, Annie começa a desvendar a trama por trás de seu sequestro. Desnudando sua alma na nossa frente, Annie mostra seus altos e baixos, sua tentativa de vencer as dificuldades do dia-a-dia: como ser tocada novamente por um homem, a estranheza de rir em voz alta, como ser feliz, a depressão e a vontade de esconder o próprio corpo para não chamar atenção.

E com um final surpreendente, Annie tenta voltar a viver.

"Na realidade, foi isso que aquele babaca fez. Ele me roubou o Natal. Junto com um monte de outras coisas, claro. Você sabe... coisas como amor próprio, autoestima, alegria, segurança, a capacidade de dormir numa cama... mas, tudo bem... quem vai ficar se queixando?"

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